Desde que percebi que sou alérgico a semáforos, tenho andado muito de táxi. O que tem dado para conhecer algumas personagens irrequietas e algumas delas, quase novos messias daquilo que será a nova ordem mundial, não sei se da Era de Aquário, até porque tenho um feeling que aquele primeiro taxista das nove, era escorpião.
Tenho sido levado para sítios e esta, é uma nova realidade para mim. Quase erótica. Mas não muito. Até porque há qualquer coisa no ruído constante da central de táxis e a palavra "colega" que considero serem ligeiros "turn offs".
Num destes dias, conheci o Manel. O Manel dizia-me com imensa verdade naqueles olhos pequeninos e aquosos que há vários anos, não tinha um dia que lhe tivesse corrido mal.
Inquiri : "Mas de certeza, que entretanto, já teve aqueles dias horríveis, como toda a gente".
Ah...toda a gente, essa extraordinária expressão que no fundo, não se refere a ninguém em geral mas em todos em particular e que é usada, lá está, por toda a gente, para corroborar afirmações várias e de salutar generalidade.
Já apreciei mais.
Ao que me respondeu : "Claro que já tive problemas, mas sinceramente? Já não ligo muito, são momentos que ao fim de anos não contam quando olho para a vida, o que me faz chegar sempre feliz a casa. Como é que posso chegar de outra maneira?".
E de facto, como é que pode chegar de outra maneira?
Andamos por aqui uns a sofrer por amor, porque o perdemos, outros porque o rejeitámos. Uns porque sentimos que estamos a ser prejudicados e atacados por uma série de personagens invisíveis, alguns porque simplesmente são atacados da cabeça e têm a mania da perseguição.
Estava a ter um verdadeiro dia de merda. O típico dia, que esse senhor, ou melhor, o Manel, dizia que jamais vivia.
E invejei-o. Invejei-o principalmente, por saber relativizar e pôr-se primeiro. E depois, por ouvir Romântica FM com um ar de genuíno contentamento.
Talvez fosse mentiroso-compulsivo ou cleptomaníaco, com uma incrível colecção de piaçabas escondida no armário dos fundos lá de casa, furtados em ocasiões diversas, mas com especial incidência em festas de amigos da filha.
Não sei. Talvez fosse tudo uma fachada que usa com os clientes. Mas aquele homem, pareceu-me genuinamente feliz.
Notava-se no sorriso fácil, na maneira como os olhos se enterneciam quando falava da filha e também no ar descomplexado com que dizia que o destino o tinha feito ser taxista.
Tudo mudara no dia em que o pai lhe dera um taxi pequenino - contou-me - naquele momento, sentiu um chamamento. Soube.
Não me explicou se já na altura, tinha sido da Retalis. Mas duvido.
Disse-lhe adeus, agradeci-lhe, saí do carro e entrei em casa contente.
Afinal, às vezes para ter dias bons, basta andar de táxi.
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